segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Criança

Em nossa civilização, predominantemente técnica, a criança está perdendo cada vez
mais a sua capacidade original de brincar.
O brincar infantil não é apenas uma "brincadeira superficial desprezível", pois no
verdadeiro e profundo brincar, acordam-se e vivem forças de fantasia que, por sua
vez, chegam a ter uma ação direta sobre a formação de conexões neurônicas no
cérebro.
Este processo natural e sadio de "criar inteligência" não é possível quando as crianças
não conseguem o brincar verdadeiro.
Evidentemente, "o mundo humano" tem o maior peso no brincar da criança. Este
mundo é apreendido pela IMITAÇÃO e fixado na criança pelo brincar de casinha,
repetindo os fatos corriqueiros da vida diária, tendo o seu ápice na primeira vivência
que a criança tem de si mesma, como um EU, vivência que muitas vezes encontra a
sua expressão mais profunda no brincar com uma boneca, com a qual se identifica.
Caiu no esquecimento que o "brincar infantil" são as formas básicas mais importantes
e decisivas de formação do ser humano, pelo acordar e ativar das forças criativas da
criança. Poucos sabem do maléficios dos brinquedos industriais, produzidos em série,
de gosto estético duvidoso. Geralmente se apresentam de tal forma que as forças de
fantasia da criança não encontram alimento, pois não há nada a completar, a
imaginar, a projetar sobre esses brinquedos.
As FORÇAS DA FANTASIA necessitam de LIBERDADE E DE MOBILIDADE para poderem
desenvolver-se. Ao aprender, por exemplo, o que significa: duro-mole, áspero-liso,
maleável-elástico-móvel, cima-baixo, atrás-frente, direita-esquerda, perpendicularhorizontal,
equilíbrio; pelo manuseio ativo dos materiais, a criança vivencia
elementarmente o mundo, as formas e qualidade de tudo que existe.
Devemos aprender a ter paciência, OUVIR e VER o que se expressa no brincar da
criança pequena, sem interferir dirigindo e desencantando estes momentos.
Estamos sempre a exigir ordem e limpeza, qualidades muito valorizadas numa
sociedade progressiva, mas que as crianças vêem como limites impostos ao seu
brincar.
Que choque, para o ser infantil, quando, por meio de um comportamento severo do
adulto, é arrancado do rico mundo da fantasia e sonho e é bruscamente empurrado
para a realidade do mundo adulto.
Com isso, o prazer original do brincar vai se transformando em timidez e medo,
implantando-se o germe de doenças futuras, criando-se finalmente as raízes de
atitudes inadequadas na criança.
Deveríamos tentar não destruir o brincar da criança nos primeiro sete anos de sua
vida, antes que comece a seriedade da vida escolar.
Baseada no brincar livre é que a criança vai estruturar futuramente sua capacidade de
julgamento, capacidade de fundamental importância nos dias atuais.
Quando transpomos para o mundo infantil o nosso pensar intelectual utilitarista,
provocamos na criança um comportamento desumano.
É necessário apenas um pequeno passo para que este comportamento precocemente
adulto na criança se transforme em um comportamento desumano.
O brincar feliz na infância, num lar harmonioso, certamente será o que de melhor e
mais precioso uma criança poderá levar consigo para a sua vida futura.